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Sobre os meios, as diferenças e a indiferença
(anotações feitas a partir do trabalho de Ana Lúcia Calzavara)

Existem instantes no interior do ateliê, em que os meios materiais deixam de ser simples ecos de sensibilidades e passam a ser agentes profundamente arraigados na construção de objetos, esses sim instrumentos criadores de muitos timbres e espacialidades.

 

Cabe ao artista um papel de vigília entre o que se projeta e o que se pode concretizar, numa espécie de arbitragem entre o excessivamente vago do plano das ideias e a carnalidade cheia de fulgor dos pigmentos e instrumentos de trabalho. Assim, o patetismo dos materiais pode transformar em figuras aquilo que a visibilidade quer fazer perdurar.

 

Entremeios, por intermédio das modelagens do desenho e da cor, inicia-se como uma educação pela fresta, numa tentativa de fazer das obras armadilhas para os sentidos.

 

Trata-se de operar por tingimentos, contínuas veladuras, numa experiência de espaço frente a uma percepção do tempo. Cria-se de saída, com esse procedimento, uma indiferença entre o desenho, a gravura, a pintura e a fotografia, como lugares para serem habitados por figuras e vistas cheias de nomadismo.

 

Não há mais sentido, diante dessa prática, que os diferentes meios em artes plásticas sejam vistos como gêneros técnicos, que devessem respeitar protocolos criados pela história da arte. Talvez esses gêneros só sobrevivam como espaços mentais, onde o detalhe quase invisível e os grandes espaços busquem lugares de contenção.

 

Mas, ao mesmo tempo, esses protocolos são lições de grande poder associativo e devem ser investigados à luz de uma história das técnicas como alças de mira, onde as figuras se estabelecem e possuem seus alvos cromáticos.

 

Há muito que aprender com as lições de síntese e de constituição de quase linguagens que o desenho tem como herança em sua história, com sua capacidade notável de ser uma força de conservação que viabiliza contínuas transformações. E esses saberes não são desprezados nesses trabalhos de entremeios.

 

Há muito que investigar sobre construção de superfícies, de relações entre cromatismo e luz, nos muitos exemplos da pintura, nas muitas estratégias sobre tradução retiradas da história da gravura, em suas relações com a interpretação desse mundo luminoso, e nos diálogos profícuos que a fotografia estabelece e tece com as visibilidades atritando visualidades.

 

Desse modo, as oficinas hoje dificilmente podem coexistir em relações hierárquicas ou como laboratórios de superação evolutiva. Transformam-se em lugares de experimentar as diferenças e experienciar a indiferença dos meios em relação às imagens, proficuamente reproduzidas e constantemente alteradas em suas existências materiais.

 

Assim, a vergadura é inevitável. À possibilidade monstruosa de reproduções das figuras, respondemos com atenção redobrada aos timbres peculiares das materialidades e procedimentos de construção, por mais que os profetas da virtualidade afirmem o contrário.

 

O ateliê é hoje um lugar imenso, mesmo que instalado em uma sala de vinte metros quadrados.

 

 

Claudio Mubarac / janeiro de 2014

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